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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Nada de novo no front (1930)



Nada de novo no front (All quiet in the western front) poderia ter sido mais um filme anti-guerra, exceto por dois motivos: a) ele foi lançado em um momento histórico de muita tensão, a ascenção do nazismo na Alemanha; b) ter sido um filme temido por Hitler. Sim, você não leu errado. Hitler temia Nada de novo no front, pois era um ataque claro aos ideais utópicos de guerra. Ele sabia como ninguém o poder que o cinema exercia sobre as pessoas, e um filme como este desestabilizava a poderosa ferramenta que a guerra era.


Talvez você não saiba, mas Hitler era fascinado por cinema. Depois do jantar, era costume assistir a um filme. Ele era fascinado por Greta Garbo, adorava as comédias de O gordo e o magro. Desde muito cedo percebera como as imagens são ferramentas poderosas, o que fez com que encomendasse um filme à cineasta Leni Riefenstahl, O triunfo da vontade. Nele Hitler explora à exaustão seu poder de convencimento das massas, na tentativa de mostrar ao mundo como o nazismo estava em ascensão. Quando Nada de novo no front deu as caras pelo cinema, os nazistas obtiveram vitórias esmagadoras no Reichstag, conquistando 107 cadeiras. Eles tinham, pasmem, 12 cadeiras antes das eleições! De repente, mais rápido que a velocidade da luz, Hitler ascendia ao poder e Joseph Goebbels se tornava uma das figuras mais conhecidas do Terceiro Reich por sua guerra aos filmes e táticas de propaganda. Ao ser exibido pela primeira vez na Alemanha, Nada de novo no front gerou fortes reações. Os nazistas diziam que era um filme que denegria a imagem da Alemanha, uma palhaçada por parte dos americanos em mostrarem os alemães daquela forma. Não era a primeira vez.


Os americanos eram campeões em retratar os alemães (você quis dizer todas as outras nações também?) de forma grotesca. A propaganda de guerra dos EUA ao lado nos dá uma noção. Nela vemos um gorila segurando uma mulher branca, representando o povo americano. No porrete está escrito: kultur [cultura]. Os alemães eram, basicamente, segundo essa propaganda da Primeira Guerra, animais que iriam acabar com a cultura, bichos. Havia também a figura de Erich Von Stroheim, grande diretor e ator alemão, usado à exaustão para representar o estereótipo do alemão verborrágico nos filmes americanos. Os americanos, através do cinema, criaram uma imagem muito distante daquela que os alemães tinham de si. Não é a toa que ficaram tão furiosos quando Nada de novo no front foi lançado.




Nada de novo no front começa com cenas de várias pessoas marchando pelas ruas. Estamos na eclosão da 1ª Guerra, as pessoas marcham para irem se alistar. Alguns minutos depois, somos levados para dentro de uma sala de aula, onde um professor está dizendo algumas palavras aos alunos, porém o barulho da algazarra causada pela eclosão da guerra lá fora nos impede de ouvir alguma coisa. Aos poucos o barulho vai cessando e começamos a ouvir o que o professor diz. Ele está tentando convencer seus alunos a alistarem-se na guerra. A câmera passa por seus rostos, aparentemente desinteressados com as palavras do professor. À medida que o discurso dele vai se inflamando, os alunos vão sendo convencidos. Um garoto se imagina rodeado de belas garotas, que segundo o professor “amam homens em uniforme”. Outro se imagina chegando em casa e contando para os pais que irá para a guerra. É doce morrer pela pátria, diz o professor. Ao final do discurso, os alunos levantam-se e, num surto frenético, decidem se alistar. Eles parecem tomados pelo poder das palavras do professor. Hitler ficou fascinado com esta cena, pois era tudo que ele havia descrito em Mein Kampf sobre o poder da oratória e de convencer as pessoas.

O professor tentando convencer seus alunos a se alistar.


Porém o filme vai nos mostrar o lado mais sujo da guerra, aquele que a propaganda deliberadamente apaga. E ele já começa quando os garotos chegam ao exército e cruzam com Himmelstoss (John Wray), ex carteiro que virara oficial. Himmelstoss é grosseiro, destrata os garotos e os faz passar por uma série de sacrifícios físicos. Em um momento do filme eles são obrigados a se jogar na lama. Nada de novo no front é um crescendo de humilhações e privações que vão aos poucos destruindo a ilusão de cada um dos garotos convencidos pelo professor a se alistar. Em uma das cenas mais cortantes do filme, um dos garotos pergunta se pode ficar com as botas do outro, já que a personagem havia perdido uma das pernas e não poderia mais usá-las. Suas botas são muito confortáveis, vou adorar andar com elas, ele diz. O filme segue mostrando as botas em pés diferentes, pois à medida que as personagens vão morrendo as botas vão mudando de dono. O nível de degradação moral a que este filme chega é impressionante, se pensarmos que ele foi feito em 1930, muito antes de Nascido para matar de Kubrick.

A história se foca em Paul Bäumer, um dos poucos garotos que consegue sobreviver aos horrores da guerra. Ele volta para a casa, na segunda parte do filme, e todos não parecem entender o sentimento de tristeza do garoto. Na realidade, todos endeusam a guerra sem conhecê-la. Paul está em um bar tomando algo quando um grupo de senhores o aborda para mostrar o que, na visão deles, seria a melhor estratégia para ganhar a guerra. Contudo, a cena mais brilhante desta segunda parte talvez seja o reencontro com o professor que o estimulou a se alistar. Eles se encontram, e lá está o professor tentando convencer mais um grupo de garotos. Ele pede que Paul diga algumas palavras encorajadoras, mas o que acontece é o oposto: ele relata coisas tão “horríveis” que os alunos acham que só pode ser mentira. Ele inclusive ironiza o “é doce morrer pela pátria” do professor, dizendo que na guerra você só está interessado em sobreviver e mais nada. Pátria? Isso não existe. Dá para entender porque os alemães tiveram um chilique ao assistir Nada de novo no front.



Nada de novo no front mudou completamente a relação dos alemães com o cinema.  Arriscaria dizer que ela foi a origem da lei que dizia que qualquer filme que ofendesse o povo alemão seria censurado lá. Se os cortes propostos pelos alemães não fossem executados, as companhias cinematográficas poderiam perder os direitos de exibir seus filmes na Alemanha. Convenhamos que, naquela época, isso era a pior coisa a se acontecer, pois a Alemanha era um grande mercado para Hollywood. O filme gerou muitos protestos e houve tentativas de censura. A Universal Pictures, distribuidora de All quiet in the western front, aceitou retirar as partes que os alemães acharam ofensivas. Porém os americanos executaram uma típica pegadinha do Malandro, pois quando os alemães pediram que um empregado de cada consulado e embaixada alemães fossem assistir ao filme, eles perceberam que os americanos não tinham feitos os cortes coisa alguma! Muito que bem! Depois de muitas confusões, eles finalmente conseguiram se acertar. E aí os rumos da história mudariam completamente.

As concessões que os americanos fizeram em relação a Nada de novo no front foram só o início da “colaboração” entre Hollywood e o regime nazista. Sim, eles colaboraram com o nazismo, cortando e censurando tudo aquilo que pudesse fazer alusão aos horrores do nazismo. Surpreendente, não? Mais surpreendente talvez seja que metade dos donos de estúdios em Hollywood eram judeus, e que essas pessoas colaboravam ativamente na manutenção da boa imagem dos alemães. Os negócios vêm antes de tudo. O livro A colaboração- O pacto entre Hollywood e o Nazismo conta com muito mais detalhes a sujeira que acontecia por baixo dos tapetes vermelhos de Hollywood.



Nada de novo no front permanece como um filme anti-guerra bastante realista, mostrando o poder da oratória e suas consequências. Embora se passe durante a 1ª Guerra, acredito que a mensagem seja atemporal: a guerra não é nada patriótica. Nadinha. Filmes como este são necessário para que nunca nos esqueçamos disso. A guerra só é benéfica para quem está dentro da sala de justiça (lembram das cenas de Doutor Fantástico de Kubrick?), decidindo o futuro da nação, sentado confortavelmente em sua poltrona de couro.

Publicado por Jessica Bandeira.

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