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quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

À meia luz (1944)


Nunca, nesses poucos anos de cinefilia, havia vivido a experiência de achar que não aguentaria assistir a um filme até o final por odiar tanto a personagem principal. Durante todo tempo de duração de À meia luz (Gaslight) vivi o dilema de ou desligar a televisão ou quebrá-la. Esse filme de George Cukor certamente lhe causará arrepios na espinha, raiva e revolta. Tudo ao mesmo tempo.

Durante as eleições brasileiras desse ano para presidente algo chamou bastante a atenção: a postura dos candidatos em relação às candidatas. Toda vez que Luciana Genro ou Dilma Rouseff confrontavam seus adversários, pisavam em seus calos, elas eram chamadas de levianas ou loucas. O que os candidatos fizeram com essas duas mulheres se chama gaslighting e adivinha de onde vem o termo? Acertou, vem desse filme. O que a personagem principal do filme, interpretada por Charles Boyer, faz com sua esposa é exatamente isso: desacreditá-la ao ponto de ela achar que está louca.


Gaslight conta a história de Paula (Ingrid Bergman), sobrinha de uma prima-donna, Alice Alquist, assassinada na casa onde viviam. Traumatizada com o crime, Paula vai embora da casa e é encorajada a olhar para o futuro, por isso acaba indo passar algum tempo ao lado do melhor amigo de sua tia, o Maestro Mario Guardi (Emil Rameau). Lá, conhece Gregory Anton (Charles Boyer), um pianista francês que acompanha o maestro. Dez anos haviam se passado desde o assassinato de Alice. Gregory e Paula se apaixonam, se casam e aí coisas estranhas começam a acontecer.

Primeiro o marido convence Paula a voltar para a casa de sua tia. Aos poucos começamos a desconfiar de Gregory. Ele vai colocando a esposa dentro de uma redoma até ela não poder sair mais. Por vezes ele é agressivo para no minuto seguinte ser o marido mais amável do mundo. O gaslighting começa com o broche que pertencera a mãe de Gregory e que ele dera para Paula usar. Lá pelas tantas, o broche se perde e a culpa só pode ser de Paula.

Gregory (Charles Boyer) e Paula (Ingrid Bergman).
Durante quase duas horas você tem vontade de arrebentar a cara do Charles Boyer e de quebrar a televisão. O que ele faz com ela é degradante, desumano e revoltante. Paula vai ficando cada vez mais perturbada e a gente se pergunta: mas ele faz isso por quê?? Algum motivo deve existir. Gregory usa sua posição de marido, logo de senhor de Paula como desculpa para controlá-la a tal ponto que ela tem medo até das empregadas. Há uma cena muito tensa em que ele chama Nancy (Angela Lansbury), uma das empregadas, para tentar acusá-la de tirar um quadro do lugar só para que Paula confesse que foi ela. Uma das formas de fazer com que a personagem acredite que está louca é tornando a luz do gás mais fraca, como se alguém tivesse aceso algo no andar debaixo. Por isso o nome gaslight.

A atmosfera vitoriana e sombria do filme contribui para a sensação de estarmos acuados enquanto assistimos. É tudo escuro, com a sensação de velho e empoeirado. Algo bastante parecido acontece com a casa de Pacto de sangue. Há um sentimento de claustrofobia muito forte em Gaslight. É como se a casa fosse um personagem, assim como Manderley em Rebecca, a mulher inesquecível.



Ingrid Bergman está soberba no papel de Paula. Dá para entender (mas aceitar jamais, desculpem amigos) porquê Barbara Stanwyck perdeu o Oscar de melhor atriz para ela nesse ano. Reza lenda que foi um prêmio de consolação por ter perdido o Oscar no ano anterior,concorrendo com o filme Por quem os sinos dobram. Bergman consegue trazer a fragilidade necessária à personagem, mas no momento ideal ela também mostra toda sua força e raiva. O filme também ganhou o Oscar de melhor direção de arte, pela reprodução fiel da era vitoriana e o maravilhoso trabalho com a casa onde a história acontece.

Há uma paródia bastante conhecida desse filme chamada Autolight. Foi o primeiro trabalho de Barbara Stanwyck na televisão para o programa humorístico de Jack Benny:




O filme, na verdade, é um remake, pois existe uma versão britânica de 1940. Quando a MGM comprou os direitos da história, mandou tirar de circulação todas as cópias dessa versão, causando ressentimento entre os diretores britânicos. Ambas versões foram adaptadas da peça de Patrick Hamilton.

Gaslight merece ser visto não apenas por suas qualidades estéticas, mas também pelo fato de mostrar tão abertamente como um homem pode controlar uma mulher. Digo, a palavra de Gregory, o homem, vale muito mais que a da sua esposa. Portanto, ela é desacreditada o tempo inteiro por ser mais “frágil”, uma característica tipicamente feminina. A opressão aparece claramente nesse filme e assisti-lo (sem quebrar a televisão, por favor) é uma forma de discutir como homens e mulheres são vistos e tratados na sociedade. Você vai perceber que Gaslight é muito mais moderno do que imaginou.

Publicado por Jessica Bandeira.

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